segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Próteses e Teses …


Foto: http://www.telegraph.co.uk/sport/olympics/paralympic-sport/9518078/Oscar-Pistorius-could-have-run-with-longer-blades-at-the-Paralympics-says-prosthetics-supplier.html

 No ano passado, o brasileiro Alan Fonteles protagonizou um dos maiores momentos dos Jogos Paralímpicos de Londres ao bater o mais famoso atleta portador de deficiência de todos os tempos, o sul-africano Oscar Pistorius, na final dos 200m rasos para amputados.

Pistorius ficou conhecido mundialmente por ter lutado pelo direito de competir em provas convencionais, mesmo fazendo o uso de próteses. Vitorioso nos tribunais, participou do Campeonato Mundial de Daegu e dos Jogos Olímpicos de Londres.

A decisão da Corte Arbitral do Esporte é contestável, pois não se ateve às regras da modalidade nem aos resultados dos estudos já disponíveis na época, que mostravam que um atleta bi-amputado utilizando próteses de fibra de carbono poderia ter uma vantagem substancial sobre atletas com membros inferiores íntegros, ao menos na prova que era a especialidade de Pistorius, os 400m rasos.

Todos aqueles que tiveram a oportunidade de assistir Pistorius correndo contra atletas convencionais testemunharam que duas provas distintas ocorriam na pista ao mesmo tempo. Embora o sul-africano mostrasse bastante dificuldade para acelerar nos trechos iniciais da prova, sua velocidade continuava aumentando por mais tempo, e se mantinha alta até quase o final. Por vezes, como jamais ocorreu com qualquer outro atleta de nível internacional, era capaz de fazer a segunda metade dos 400m mais rápido que a primeira, apresentando uma frequência de passadas maior que a vista em corredores de 100m de elite mundial!

A necessidade de responder à sociedade com uma decisão que pudesse ser considerada politicamente correta fez com que o sul-africano, e consequentemente qualquer outro atleta nas mesmas condições, fosse liberado para participar de provas convencionais, sem considerar que avanços tecnológicos e o natural surgimento de indivíduos amputados com maiores habilidades atléticas pudessem teoricamente – em algum momento – tornar esses atletas quase imbatíveis em relação àqueles com membros íntegros.

No excelente blog “The Science of Sports”, os também sul-africanos Ross Tucker e Jonathan Dugas discutem amplamente o caso de Pistorius, e também do brasileiro Alan Fonteles, (http://www.sportsscientists.com/thread/oscar-pistorius/).

Uma reportagem apresentada na manhã desse domingo deixou a impressão que a pergunta do início do programa havia sido respondida: Fonteles estaria obtendo resultados quase do nível dos atletas convencionais por seu talento atlético, e não pela tecnologia das próteses. Nenhum dos testes apresentados pode dar suporte a esse tipo de conclusão.

Seguem alguns comentários:

1.       Em qualquer investigação para determinar se as próteses conferem vantagem para os indivíduos que as utilizam, a pergunta a ser respondida é: caso o atleta em questão tivesse membros intactos, ele seria capaz de produzir os mesmos resultados? A comparação entre indivíduos é pouco relevante nesse caso, pois não consegue determinar o que é intrínseco ao atleta e o que é efeito direto da prótese. Em outras palavras, Alan Fonteles correu os 100m em 10.57 e os 200m em 20.66 APESAR das próteses, ou POR CAUSA delas?

2.       Atletas convencionais buscam efetivamente aplicar o máximo de força contra o solo no menor tempo possível. O fato de Alan Fonteles ter produzido tempos de contato maiores foi visto como uma desvantagem das próteses. Poderia ser apenas uma limitação individual, mas já ficou bem demonstrado em outras investigações que isso ocorre com praticamente todos os bi-amputados, que compensam essa aparente desvantagem com uma frequência de movimentos absurdamente alta;

3.       Testes de saltos com saída parada dão uma boa estimativa de uma manifestação da força muscular chamada por alguns autores de força explosiva. No entanto, não são específicos para provas de velocidade, onde na maior parte do tempo outra manifestação, chamada de força reativa, é necessária e guarda maior relação com o desempenho. Testes de saltos repetidos (preferencialmente com apoios alternados ou sequenciais, ao invés de simultâneos, e horizontais ao invés de verticais) poderiam lançar mais luz nessa discussão. A curva de fadiga em testes desse tipo também poderia trazer informações interessantes;

4.       Atletas usuários de próteses podem “crescer” de uma competição para outra, dentro dos limites impostos pelo Comitê Paralímpico Internacional. Os atletas testam diferentes comprimentos de prótese, buscando aquele que lhes permita otimizar o desempenho (não tão longas a ponto de comprometer muito a saída e o controle da corrida na curva, e não tão curtas a ponto de comprometer a velocidade máxima e sua manutenção). Os limites estabelecidos pelo IPC parecem ser bastante generosos, pois tanto Fonteles quanto Pistorius competem com alturas bastante inferiores ao que lhes é permitido. Obviamente, indivíduos adultos com membros íntegros não têm essa possibilidade, e podem contar apenas com o treinamento.

Alan Fonteles e Oscar Pistorius são atletas paralímpicos excepcionais que merecem todo o respeito por suas conquistas. Foram capazes de encontrar a motivação para, apesar das adversidades, buscarem a realização de seus sonhos. Competindo em condições iguais, se tornaram os melhores do mundo naquilo que fazem. Mas correr com próteses é tão diferente de correr com os membros íntegros quanto de “correr” com cadeira de rodas... São condições completamente distintas, que não são comparáveis entre si.

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