Acabo de voltar do Campeonato
Mundial de Atletismo, realizado no magnífico Ninho de Pássaro, o Estádio
Olímpico de Pequim. Tanto quanto o estádio, magnífica foi também a competição:
207 países participantes
43 países medalhistas
68 países finalistas
Essa, sim, é uma modalidade
realmente global!! Há talentos em todos os cantos do mundo, o conhecimento está
amplamente disseminado, não falta oportunidade de intercambio para ninguém...
isso tudo torna cada prova do atletismo extremamente competitiva. São tão
competitivas, que países que há cerca de 10 anos não tinham absolutamente nenhuma
tradição em algumas delas, hoje se apresentam brigando pelo título. Não vou dar
exemplos além do nosso próprio: Quem apostaria, em 2005, que hoje seríamos uma potência
mundial no salto com vara? (aliás, parabéns para o Elson, não pude
encontrá-lo depois da medalha da Fabiana)!
Embora tivesse atletas na equipe
do Brasil, não fiz parte da delegação. Me senti, portanto, um expectador
privilegiado, podendo assistir à maioria dos atletas brasileiros com olhos de
um torcedor apaixonado. Foi ótimo poder fazer meu próprio juízo da competição,
sem ser contaminado com opiniões pré-concebidas de comentaristas e mesmo de
alguns membros de nossa própria comunidade. Como na China o Facebook é
bloqueado, raramente lia alguma postagem. O pessoal logo que chegou “raqueou” o
acesso com um programa de VPN, mas eu não tive paciência... que duas semanas
maravilhosas foram essas!!
Viajei a convite da Federação do
Uruguai, para acompanhar o EMILIANO LASA, que treina e vive no Brasil há três
anos. E que competição fez o Emiliano! Ficou muito perto de passar para a final
nesse que foi seu primeiro Mundial, de qualquer categoria. Com 7,95m no salto
em distância foi o 15° colocado, ficando a três colocações (e a três
centímetros) de avançar! Já vi atletas de todos os tipos participando de competições
globais. O Emiliano é do tipo vencedor, aproveitou a oportunidade para se
colocar entre os grandes... não se surpreendam com seus próximos resultados,
ele está com aquele gostinho de “quero mais” que já vi antes, e que pode
contaminar os demais de nosso grupo, que já são vencedores também.
Do Brasil, tivemos três atletas convidados
pela IAAF após o término do período de qualificação: FABIANA MORAES, ELIANE
MARTINS e JEAN ROSA tiveram a oportunidade de vivenciar um dos maiores eventos
esportivos do mundo. Não há meeting, Liga Diamante, ou o que seja, que possam
ser comparados a um Mundial. Experiência em Mundiais e Jogos Olímpicos só se
ganha neles. Gostamos de dizer que dentro da pista é só mais uma competição...
mas será mesmo? O que importa é que os três, assim como todos os outros atletas
que participaram desse mundial, o fizeram por méritos próprios, conquistaram
esse direito na pista, sem apadrinhamento e com regras que já eram conhecidas
por todos. Deram o primeiro passo, se colocando dentro da elite mundial. Como
diria um treinador gaúcho amigo de todos nós, conseguiram se descolar do nariz
do rato, e já seguram no rabo do leão... Essa é nossa escolha, estar entre os
grandes!
Não podemos esquecer que o
Campeonato Mundial é feito PARA OS ATLETAS. Estar lá já é muito difícil, mas o
Brasil conseguiu ser uma das delegações mais numerosas. Esse maior número de participações
não aumentou nossas chances de finais ou medalhas para essa edição, mas todos
já sabíamos disso, não havia motivo para espanto. Também no caso do atletismo
brasileiro como um todo, ter uma grande quantidade de atletas classificados é
um passo, é segurar no rabo do leão... vamos seguir em frente agora, junto com o
Japão (que também levou bastante gente, teve uma medalha de bronze, empatou
conosco em pontos, e vai sediar os Jogos Olímpicos em breve)!!
Como já disse, fui um expectador
privilegiado, e ainda pude acompanhar meus atletas brasileiros... Assisti a
todas as sessões da noite, exceto a de domingo, quando já estava no aeroporto
para voltar ao Brasil. Para mim, um “torcedor brasileiro” no Ninho de Pássaro, a
noite mais memorável foi a do dia 24. Durante praticamente todo o tempo, pude
torcer baixinho por alguém: Keila na final do salto triplo, Augusto na do salto
com vara, Rosângela na semi-final dos 100m, Julio lutando por uma vaga na final
do dardo... Voltei para o hotel e dormi feliz com a atuação de meus
compatriotas, não ficou faltando nenhuma medalha para me deixar com esse
sentimento.
No final das contas, estivemos em
5 finais. Exatamente dentro de nossa média histórica (que são 4,93 finais por
campeonato, considerando top 12 nas provas que são final direto), mas
certamente menos do que poderíamos ter realizado, principalmente quando
comparamos com Moscou, quando tivemos 9 finalistas. Sim, foi em Moscou, de onde
voltamos sem medalha e com gente dizendo que os resultados do Brasil foram
decepcionantes, que tivemos nossa melhor participação coletiva da história!
Precisamos de ajustes, mas a meta de termos 10 finalistas em Mundiais e Jogos
Olímpicos ainda me parece muito concreta, mesmo no curtíssimo prazo.
Ajustes também precisarão fazer os
Estados Unidos (de uma previsão de 31 medalhas, realizaram 18), Rússia (campeã em
2013 com 17 medalhas, agora ganhou 4), França (exemplo de organização, com
esporte escolar funcionando, grande número de clubes e treinadores, recursos
financeiros, excelente calendário de competições...e 2 medalhas de bronze),
Itália (parecido com a França, mas nenhuma medalha), Espanha (apesar da crise, conhecemos
bem sua estrutura, incomparavelmente melhor que a nossa, e 1 medalha)... como
falei, esse mundo está ficando muito competitivo mesmo!
Quem tem feito os ajustes com
sucesso são países como Canadá, Polônia e Alemanha, todos com 8 medalhas. A
Alemanha tem se mantido aí por muito tempo, a Polônia também tem no atletismo
uma de suas modalidades mais populares. O Canadá, por outro lado, sediou em
2001 um Campeonato Mundial onde não ganhou nenhuma medalha... trabalho muito bem
feito, principalmente porque sabemos o quão difícil é realizá-lo!
Não tenho dúvidas que algumas
coisas precisam ser revistas, mas é importante pensar com cabeça fria, para
tomar decisões que visem o bem maior. Estamos vivendo um momento do “nós”
contra “eles”... Ainda não nos demos
conta que somos todos “nós”. Não há mocinhos sem os quais o atletismo brasileiro
estaria perdido, tampouco vilões responsáveis por tudo que não dá certo.
Estamos todos no mesmo barco, mas ainda tem gente que teima em tentar abrir um
rombo no casco bem embaixo do assento do outro... será que se o barco
afundasse, não iríamos todos juntos?
Temos tido a felicidade de produzir algumas medalhas em competições globais,
desde 1999. De vez em quando, sai alguma. Todos lembram dos ouros olímpicos,
mas antes e depois de 2008 tivemos outras conquistas também. Lembro de cada uma
delas, e do quanto foram difíceis, sempre com emoção! Mesmo com a quantidade de
medalhistas que temos, continuo achando muito difícil medalhar em uma competição
grande, embora tenha a convicção que, daqui a pouco, o faremos de novo. É por
isso que respeito tanto aqueles treinadores que já conseguiram, e
principalmente os que repetiram com atletas diferentes. NÃO É FÁCIL!! Mesmo
tendo percorrido esse caminho algumas vezes, não me vejo em posição de ditar
regras ou apontar dedos...
Agora que voltei, tenho visto
muita gente com a solução pronta de todos os problemas. De uma maneira geral, a
maioria tem razão... só não se dão conta que o que dizem não é novidade, a
grande dificuldade é transformar essas “ideias genéricas” em ações que possam
trazer resultados práticos. Um dos mantras mais repetidos é “vamos investir na
base”... quem é louco de dizer que isso está errado? O problema é que a sugestão
seguinte é uma utopia. Só porque todo mundo assistiu a uma reportagem
(maravilhosa, diga-se de passagem) do Jornal Nacional mostrando o “Champs”, o Campeonato Nacional Escolar
da Jamaica, todos viraram especialistas em promoção de talentos... “Copiem o Champs”, muitos dizem, e estaria aí a solução
de todos os nossos problemas... Mas nós temos os nossos Champs!! Campeonato Brasileiro Escolar, Olimpíadas da Juventude,
Brasileiros Mirim, Menores, Juvenis... o que não temos vem antes dos Champs, o que não temos é o Esporte
Escolar de verdade!! E aí a coisa fica feia, porque embora todos do Esporte o
queiram dentro da Escola, ELA NÃO NOS
QUER!! Não dá para enfiar goela abaixo dos secretários de educação, da
diretora ou dos professores, nem por decreto da Presidente da República! Nosso
Esporte Escolar tem sido desconstruído há pelo menos 35 anos, todos os
profissionais de Educação Física formados no Brasil nas últimas 3 décadas devem
saber do que estou falando.
Não vi a fonte original, mas
dizem que o Brasil tem recursos sobrando, mais do que muitos países juntos,
incluindo Austrália na lista. Recebemos a visita de um casal de treinadores
australianos há cerca de dois anos, aqui em São Paulo. Ela, Nicole, foi
saltadora de distância, finalista em campeonatos mundiais, chegou a saltar com
a Maurren. Ele, Alex, acaba de ter um finalista no salto em altura em Pequim,
seu primeiro atleta a chegar nessa fase. Ficamos amigos, e de vez em quando ele
me manda vídeos de treinos deles em Sydney. As condições de treinamento são incomparáveis.
Eu mesmo estive na Austrália para os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000.
Fizemos nossa aclimatação no Instituto Australiano do Esporte, em Camberra. Um
dos centros de treinamento mais maravilhosos que já conheci, e como ele há
outros espalhados por lá. Não dá nem para pensar em construir um parecido só com
as instalações do atletismo com o dinheiro que temos hoje, o que dizer de
espalhar vários pelo Brasil. Me disseram então que esse dinheiro não entra na
conta, pois não é da Federação de Atletismo da Austrália, e sim do Ministério
deles... mas na nossa conta entrou a Bolsa-Atleta, que não é dinheiro da Confederação,
e sim do Ministério nosso (e, talvez, ainda tenham somado o pessoal do atletismo paralímpico)...
é, um número, quando “bem torturadinho”, te fala tudo aquilo que você quer
ouvir! Isso não quer dizer que não tenhamos que buscar a maior eficiência
possível no uso de nossos recursos, mas nem tudo é o que se escreve por aí!
Na busca por essa eficiência, a sugestão
de muitos é acabar com os campings de revezamento, particularmente do 4 X 400m.
Não tenho uma opinião bem formada sobre isso, mas também aqui é importante
discutir sobre bases objetivas. Em Moscou, com o Anderson, finalista dos 400m,
ficamos em sétimo lugar na final do revezamento 4 X 400m. Foi um resultado
animador, e desenhou-se um programa para eles. O Anderson passou a temporada
lesionado, e o revezamento foi o 12° colocado, sem passar para a final. Ouvi de
muitos que fomos “muito mal”, que sem o Anderson “não deveríamos ter levado a
equipe”... mas corremos melhor que em Moscou!! Lá, com 3:01.09 avançamos para a
final (e foi muito bom!!). Em Pequim, com 3:01.05 ficamos fora (e foi muito ruim?!!)...
competição é assim mesmo, e é por isso que é apaixonante! Não estou defendendo
os campings de revezamento, apenas os uso como exemplo, esperando que os
argumentos sejam corretos e objetivos. Que não se queira punir ou se vingar de ninguém,
apenas que se busquem as melhores soluções e relação custo-benefício.
Me alonguei demais, acho que a
maioria não conseguiu ler até o fim... para quem conseguiu, a mensagem que
gostaria que ficasse é que “o atletismo somos todos nós” e, portanto, a
responsabilidade de fazê-lo forte é também de cada um!
4 comentários:
Prof. Nélio.
O comentário é simples e direto. O seu raciocínio é simplesmente espetacular.
Por isso, você é um treinador diferente.
Parabéns pelo artigo acima.
ABRAÇO,
A.C.GOMES
Muito bom Nélio, é angustiante ouvir as atrocidades na TV e não poder fazer nada. Gostei muito do texto e acho que é com esse tipo de manifestação que a coisa ganha força. Conversei com o Rogério Bispo sobre isso e a indignação dele é a mesma.
Abraço grande.
Gustavo Scolfaro
Ótimo artigo Nélio
Muito coerente suas palavras.
Parabéns pelo sensacional trabalho de sempre
Grande abraço
Anselmo Gomes
Muito bom mesmo.
Talvez nem se lembre de mim, mas espero que esta reflexão coopere com a formação de uma nova consciência coletiva entre os que desejam ardentemente uma direção correta para o esporte do nosso país.
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