segunda-feira, 22 de agosto de 2016

(Não tão) Breves comentários sobre os Jogos do Rio 2016

A família inteira nos Jogos...

Acabamos de voltar dos Jogos Olímpicos do Rio. Como era de se esperar, um evento espetacular, a despeito das previsões pessimistas que começaram a ser “esquecidas” durante a cerimônia de abertura, uma das melhores de todos os tempos.

Para mim, foi ótimo desfrutar desses Jogos em casa, junto com a família inteira!

Antes de qualquer consideração, quero parabenizar os novos atletas olímpicos de nosso grupo:

EMILIANO LASA – Salto em distância. Com soberbas atuações na qualificação (8,14m) e na final (8,10m), conquistou o primeiro diploma olímpico da história do atletismo uruguaio, ao terminar a prova na sexta colocação. Com isso, se estabelece como o melhor atleta uruguaio de todos os tempos. No ano passado, quando escrevi sobre o Mundial de Pequim, disse que podíamos esperar coisas grandes dele... já começou!

Emiliano Lasa: O maior uruguaio na história dos Jogos Olímpicos!

ELIANE MARTINS – Salto em distância. Em seu mais consistente ano, “Lia” teve a infelicidade de lesionar o quadril após o Troféu Brasil, o que limitou sua preparação final para os Jogos. Ainda assim, acumulou a experiência olímpica, terminando a prova na 23ª colocação com 6,33m.

"Lia" Martins

FABIANA DOS SANTOS MORAES – 100m com barreiras. Viveu também a incrível emoção de participar dos Jogos Olímpicos em sua terra natal, o Rio de Janeiro. Com 13.22, terminou em 35º lugar.

Fabiana Moraes

Parabéns Emiliano, Lia e Fabiana, vocês foram grandes!!

Analisando o desempenho do atletismo brasileiro como um todo, ficou claro para mim que as expectativas foram superadas: depois de classificar a maior delegação da história (53 atletas em provas individuais e 4 revezamentos), participamos de 11 finais* (nosso recorde). A meta mais difícil de concretizar era conquistar ao menos uma medalha.  E ela veio com o Thiago Braz da Silva, talvez a medalha que mais brilhou nesses Jogos, o ouro do salto com vara, com direito a recorde olímpico.

Nossos números ainda não nos permitem estabelecer metas em termos de quantidade de medalhas. Falo isso há vários anos, e embora fosse meu desejo que já estivéssemos em um novo patamar, creio que essa realidade vai perdurar por algum tempo. A quantidade de medalhas que conquistamos a cada edição de Jogos ainda é muita pequena (normalmente, de zero a uma), e sua variação não expressa de maneira satisfatória a evolução da modalidade. Já o número de finais continua sendo um bom indicador. Crescemos incríveis 120% em relação a Londres, e 22% considerando nosso melhor desempenho em Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais, que havia sido em Moscou 2013, com 9 finais. Também em meu texto sobre o Mundial de Pequim (http://mmatletismo.blogspot.com.br/2015/09/mundial-de-pequim-notas-de-um.html), dizia que a meta de estar em 10 finais era muito realista, mesmo no curtíssimo prazo... ei-la realizada!

Estar em uma final olímpica é um grande mérito, e gostaria de nomear, como homenagem, cada um dos brasileiros finalistas:

Thiago Braz da Silva – Salto com vara – ouro, com recorde sul-americano
Caio Bonfim – 20 km marcha atlética – 4° lugar, com recorde brasileiro / 50km marcha atlética - 9º lugar, também com recorde brasileiro
Darlan Romani – Arremesso do Peso – 5° lugar, com recorde brasileiro
Revezamento 4 X 100m masculino – 6° lugar
Erica de Sena – 20km de marcha atlética – 7º lugar
Revezamento 4 X 400m masculino – 8° lugar
Geisa Arcanjo – Arremesso do Peso – 9° lugar
Altobeli da Silva – 3000m com obstáculos – 9° lugar
Luiz Araújo – Decatlo – 10° lugar
Wagner Domingos – Lançamento do martelo – 12° lugar

Tivemos ainda várias classificações para semi-finais, e das 60 participações, 16 (26,7%) resultaram em melhores marcas da temporada. Isso é muito bom, pois a média do mundo oscila entre 20 e 25% e normalmente nosso desempenho é muito inferior a isso (no Mundial de Pequim 2015, por exemplo, ficamos em 11%).

Objetivos atingidos, já é hora de olhar para frente. Temos que continuar classificando um grande número de atletas para os grandes eventos. Precisamos nos manter na casa dos dois dígitos em número de finais, e seguir progredindo. A cada 4 participações, ao menos uma deve resultar na melhor marca da temporada. E, claro, conquistar alguma medalha será sempre muito bom! Se o número de finais é o melhor indicador e, portanto, nossa meta qualitativa mais realista, devemos buscar aumentar nossas possibilidades de contar com o máximo possível de finalistas em potencial nos representando. Os critérios de seleção e de suporte aos atletas devem ter isso em mente. Ao menos três questões relacionadas aos critérios de seleção merecem discussão:

Prazo de obtenção dos índices: Já se tornou rotina termos o prazo de obtenção de índices reduzido, em comparação com a data determinada pela IAAF e/ou COI. Mesmo com os Jogos em casa, tivemos uma semana a menos para obtenção das marcas de classificação, em comparação com o restante do mundo. Uma semana pode parecer pouco, mas com o novo sistema da IAAF, que conta com cotas de atletas por prova, ficamos em uma situação inusitada: atletas brasileiros que não estivessem classificados e quisessem continuar competindo dentro do prazo internacional teriam que se aproximar o máximo possível do índice, mas sem obtê-lo, para terem a chance de serem convocados pela cota. Caso chegassem ao índice, não seriam convocados pelo Brasil (por terem perdido o prazo doméstico), e a IAAF obviamente não o chamaria pela cota já que o Brasil teria aberto mão de convocá-lo.
Reconhecimento de resultados em altitude: A IAAF leva em consideração todos os resultados legais para estabelecer seus índices de participação nos eventos internacionais, e também para convocar atletas sem índice para completar a cota por prova. Resultados em altitude são legais, e têm contribuído para o aumento do nível de exigência da IAAF. No entanto, atletas brasileiros não são convocados caso seus resultados sejam obtidos em competições acima de 1500m de altitude. Todos sabemos das vantagens que grandes altitudes trazem para provas de curta duração. No entanto, seria muito mais coerente privilegiar as marcas obtidas a nível do mar, sem eliminar completamente a possibilidade de buscar as condições mais vantajosas para se classificar.
Considerar o campeão sul-americano como atleta com índice para Campeonatos Mundiais. Essa é uma questão mais delicada, pois talvez, em determinadas provas, o resultado do campeão sul-americano esteja distante do nível mundial. No entanto, nossos vizinhos se fazem representar por seus campeões de área. Além disso, em tais provas, a possibilidade de convocação para um Campeonato Mundial pode ser um fator de motivação que lhes favoreça o desenvolvimento.  Talvez esse seja um caso que mereça ser rediscutido.

Nos Jogos do Rio 2016 tínhamos diversas possibilidades de final, e concretizamos várias delas. Antecipadamente, uma das provas mais citadas era o salto em distância masculino, com o Duda. Bicampeão mundial indoor, ele já fora finalista em Londres, poderia repetir a atuação no Rio. No entanto, chegou ao nosso prazo final com 8,14m, um angustiante centímetro abaixo do índice. Naquele momento, ele ainda estava na cota. Mas o mundo inteiro tinha mais uma semana para buscar a classificação. E no último dia de um prazo que Duda não tinha mais, dois atletas saltaram acima do índice, em uma altitude superior a 2300m (da qual Duda não poderia se beneficiar), e o “empurraram” para o número 33... de maneira também angustiante, a uma colocação da cota das provas de campo!

Nada garante que Duda se classificaria. Mas lhe tiramos a possibilidade de tentar, só lhe restava – e a todos nós – torcer. Infelizmente, a torcida foi em vão. Esse caso, no entanto, pode dar um rosto a uma situação que sempre foi discutida por nós, em termos hipotéticos. Quem sabe não contribua para uma mudança para melhor? Essas sugestões podem ser implementadas imediatamente:

1)   Seguir os prazos estabelecidos pela IAAF. Praticamente todos os países do mundo, vários com delegações muito mais numerosas que a nossa, respeitam tais prazos. Ou seja, é possível tomar as providências necessárias utilizando todo o período de qualificação;
2)      Reconhecer os resultados de acordo com as regras da IAAF. Marcas obtidas em altitude são oficiais, e devem dar direito à classificação para os grandes eventos internacionais. Nos casos onde mais de dois ou três atletas (de acordo com a competição) obtenham o índice em uma dada prova, é possível priorizar os que o tenham obtido sem o auxílio da altitude. Redigir um critério que considere isso não é difícil, e ao mesmo tempo que garantiria direitos iguais aos dos atletas do resto do mundo, preservaria atletas brasileiros já classificados de uma “corrida” à altitude, que poderia prejudicar seus planejamentos.

Vale lembrar que com a adoção do sistema de cotas, a IAAF tem sido muito rigorosa ao estabelecer os índices – particularmente nas provas de campo – o que tem tido consequências desastrosas:  alguns países continuam permissivos com relação ao doping e, tão grave quanto isso, falsificam resultados para que seus atletas compitam, literalmente roubando de outros essa oportunidade. Nas competições de categorias de base há ainda a questão da manipulação da idade, que combinada ao comércio de naturalizações colocam em dúvida a relevância de tais eventos.

No Brasil, além da convocação dos atletas, há uma outra questão difícil de resolver, que é a de treinadores. Os critérios são sempre difíceis de estabelecer. Ainda assim, tentativas foram feitas no sentido de tornar o processo mais objetivo, mas é preciso que as normas divulgadas sejam seguidas. Em todos os casos, quando houver critério estabelecido, ele precisa ser cumprido. Exceções só podem ser aplicadas quando não houver prejuízo para ninguém.

Sabemos que não é possível convocar todos os treinadores que tenham atletas nas seleções. No entanto, sabemos também que os treinadores são a peça mais importante da engrenagem que move o esporte de competição. São eles que identificam os atletas, os motivam para a prática, desenvolvem suas capacidades e moldam os valores do esporte, diariamente, por muitos anos. Todo esforço deve ser feito para facilitar a presença dos treinadores pessoais nas competições internacionais, e somos testemunhas do que foi feito pela CBAt / COB esse ano. Porém, sempre que houver credenciais P disponíveis (como é o caso em Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais das diferentes categorias), os treinadores devem ser informados dos procedimentos para solicitação, prazos e custos. Essas credenciais são de TREINADOR pessoal, não devem ser usadas para outros fins ou por pessoas com outras funções. Vale a pena ver como outros países tratam essa questão. Os americanos, por exemplo, deixam muito claro que a presença dos treinadores pessoais é bem vinda e necessária, e fazem todo o possível para facilitar a participação deles, informando com muita antecedência sobre os custos, e garantindo o reembolso de ao menos parte das despesas daqueles que venham a ter atletas medalhistas (http://www.usatf.org/Events---Calendar/2016/Olympic-Games/Athlete-Information/Personal-Coaches-and-Medical-Information.aspx), embora muitas vezes, como ocorreu no Rio, cubram todo o custo. Os treinadores são os líderes do processo de treinamento, e são eles que determinam o tipo de serviço que necessitam usar com seus atletas. Todos os demais profissionais também merecem grande respeito, mas são facilitadores, cujas presenças e intervenções deveriam ser solicitadas pelos treinadores.

Temos também outra questão importante a discutir e melhorar: como valorizar os programas de formação, que optaram por atuar nas fases iniciais do desenvolvimento do atleta, de maneira que continuem existindo e propiciando aos jovens interessados/capacitados uma transição suave para o alto rendimento? O objetivo primeiro de tais programas não deve ser identificar precocemente – não se sabe fazer isso – ou formar nosso próximo campeão olímpico (embora muitos achem que deva ser assim), mas oferecer um ambiente motivador, que faça com que os jovens (e seus treinadores!) se mantenham envolvidos com o atletismo por muitos anos.

Terminamos um ciclo olímpico com uma grande campanha no Rio, coroada pela medalha do Thiago. Tivemos também outros momentos de muita emoção, como a despedida de Jogos Olímpicos da Fabiana Murer, uma das melhores atletas brasileiras de todos os tempos. Ela merece ser lembrada, junto com o Elson, por tudo que FEZ pelo atletismo do Brasil.

Tudo isso deve ser festejado e rememorado, mas já ficou para trás. É hora de buscar mais, e temos que começar agora. Que saibamos reconhecer os méritos dos responsáveis pelo bom desempenho ao longo desse ciclo, mas que também tenhamos inteligência e humildade para reconhecer que há muito a ser feito para que esse crescimento se sustente.


* Considerando finalistas os atletas classificados até o 12º lugar nas provas disputadas em final direto (maratona, marcha e decatlo).

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