Sobre usos e abusos…

Acho que todo mundo já percebeu que esse blog é uma brincadeira nossa, uma forma de mostrar para nossos atletas como prezamos a convivência com eles, e de reconhecer o esforço de todos na busca de seus objetivos. Mas tendo essa ferramenta de comunicação à nossa disposição, achamos ser nossa obrigação nos manifestarmos publicamente sobre essa questão que tanto entristeceu o atletismo brasileiro.

Nossa luta por um atletismo limpo não é nova. Em 1988, publicamos na Revista Brasileira de Ciência e Movimento uma carta onde manifestávamos preocupação com o aumento do uso de substâncias proibidas no Brasil, a exemplo do que ocorria, em maior escala, no exterior. Naquela época, o uso mundial era tão disseminado, que alguns recordes dos anos 80 e início dos anos 90 resistem até hoje, e são considerados praticamente imbatíveis. Pouco tempo depois da publicação da carta, tivemos os Jogos Olímpicos de Seul, e um dos maiores escândalos olímpicos de todos os tempos: Ben Johnson, o homem mais rápido do planeta, testara positivo para anabolizantes. O que em um primeiro momento parecia uma coisa ruim para o esporte desencadeou uma ampla investigação, e uma completa reviravolta nos métodos de detecção. A partir daquele ano, foram implantados os testes surpresa, fora de competição, que se mostraram extremamente eficazes no sentido de inibir essa prática abominável. Os mecanismos têm se aperfeiçoado, e vários países - dentre os quais o Brasil - contam hoje com suas próprias agências anti-doping. Foi uma ação dessa agência (ANAD, vinculada à CBAt) que nos permitiu identificar esse grupo.

Não somos ingênuos, e sabemos que essa luta contra o doping é um interminável jogo de gato e rato. A cada vez se aperta mais o cerco contra os fraudadores, que por sua vez tentam novas maneiras de ludibriar as regras e obterem vantagens ilícitas. Mas não caiam no conto do vigário, não creiam nas alegações de que “todo mundo toma”, ou que “sem usar drogas, não se faz resultado de alto nível”. Essas são as alegações dos perdedores, hipócritas, que depois de desmascarados tentam mostrar um arremedo de dignidade, que na verdade não têm.

A luta mundial contra o doping no esporte fez com que aqueles resultados absurdos de 20 anos atrás desaparecessem, trouxeram o atletismo para um nível que dá para nós competirmos. Às vezes, aparece algum grande fenômeno, de verdade, mas os resultados de hoje são mais “humanos”. Tentar burlar esse esforço, que nos permitiu competir de igual para igual com o mundo todo, é irracional, inadmissível.

Hoje, estamos todos tristes, muito tristes. Tristes com e pelas pessoas que se envolveram com isso. Nossos sentimentos são confusos, às vezes sentimos raiva, também, nos sentimos agredidos por vermos nossos valores pisoteados. O atletismo brasileiro está com uma ferida aberta, mas não podemos deixá-la cicatrizar sem antes extirpar todo o tecido podre que ainda pode restar. Vai doer muito se soubermos que há mais casos, mais atletas, mais pessoas envolvidas. Mas PRECISAMOS saber, o mais rápido possível. Mas como todo bom barreirista já aprendeu, rapidez não é sinônimo de pressa. Vamos investigar com agilidade, mas atentos aos detalhes. Não podemos deixar passar nada. É nossa oportunidade de dar um golpe mortal naqueles que estão, por sua vez, tentando matar os princípios do jogo limpo e da ética no esporte, e consequentemente, o próprio esporte.

Nesse turbilhão de emoções, onde cada revelação nos inquieta mais, há outra que sentimos nesse momento: orgulho. É, isso mesmo, orgulho. Orgulho de termos uma Confederação que teve a coragem de tentar identificar aqueles que descaradamente trabalhavam para manchar o nome de nosso esporte, e uma Federação que imediatamente se prontificou a comandar as investigações. Orgulho por vermos nosso clube, REDE Atletismo, atuando com presteza e tomando as providências necessárias para que fatos assim jamais se repitam no atletismo brasileiro. Orgulho por fazer parte de uma comunidade onde nosso maior adversário dentro das pistas, a BM&F Atletismo, em um momento desses, se solidariza conosco, e se coloca a nosso lado na luta a favor do esporte que é de todos nós. Orgulho por termos certeza que, doa a quem doer, todos os responsáveis por essa conspiração contra os ideais olímpicos serão identificados e punidos.

Lemos em algum site de notícias hoje (desculpem, foram tantas coisas que já não sabemos mais onde foi exatamente) que uma das atletas envolvidas estaria há 3 dias sem comer e sem dormir. Ela deve saber que não está sozinha: há muitos outros, ainda não identificados, que certamente também estão sem dormir, amedrontados a cada vez que toca o telefone, abrem o jornal ou ligam o computador, temerosos de verem seus nomes divulgados. Vamos conhecê-los em breve.

Mas esse é um blog que gosta de comentar sobre coisas boas. E o bom é que vocês, atletas M&M, sempre jogaram limpo. Mais do que por seus resultados, esse é nosso maior motivo de orgulho.